Espaço onde se abordam relevantes questões relacionadas com o desporto em geral.
Sábado, 05 DE Fevereiro 2011

1) Face à rejeição dos novos estatutos da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), quais são as medidas que o Governo pode tomar?

A rejeição da aprovação dos novos estatutos da FPF levanta dois problemas fundamentais:
a) A violação da lei actual por parte da FPF, pois os actuais estatutos não estão conformes ao Regime Jurídico das Federações Desportivas-RJFD (o qual se aplica a todas as modalidades federadas, e não apenas ao futebol);

b) A falta da realização de eleições (no seguimento da recente decisão do Tribunal Arbitral da Federação Portuguesa de Futebol que estabelece que a FPF não pode ir a eleições sem alterar os estatutos) põe em causa a legitimidade dos órgãos da FPF perante a FIFA e a UEFA.

Ora, perante este impasse e dada a atitude de algumas Associações de Futebol que recusam terminantemente obedecer ao que a lei (geral e abstracta) estabelece para todas as modalidades desportivas, nos termos da Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto e do Regime Jurídico das Federações Desportivas, poderá não restar outra possibilidade ao Governo que não a medida mais pesada prevista legalmente, o cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva da FPF.
No entanto, ainda existe uma possibilidade intermédia, de carácter provisório, mas que não deve porém ser aceite pela FIFA e pela UEFA:
Nos termos do artigo 21º do RJFD, a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva pode ser renovada por mais um ano. Relembre-se que através do Despacho n.º 7294/2010, publicado em Diário da República em 27 de Abril de 2010, tal estatuto da FPF foi suspenso pelo prazo de um ano.


2) Que consequências práticas elas terão?

A suspensão apenas teve impacto a nível financeiro relativo a verbas a receber pela FPF e à celebração de novos contratos-programa. No entanto, caso o Governo opte por renovar, em Abril de 2011, a suspensão do estatuto de utilidade pública desportiva por mais um ano, poderá estabelecer novas restrições ao funcionamento da FPF, nomeadamente a suspensão de toda ou parte da actividade desportiva da federação.

Dado o extremar de posições, nomeadamente as declarações públicas de representantes de algumas Associações de Futebol que afirmaram na última Assembleia Geral da FPF que o Governo é que está obrigado a alterar o RJFD, e tendo em consideração que praticamente todas as Federações Desportivas em Portugal já adaptaram os seus Estatutos à nova lei, torna-se provável que o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, Laurentino Dias, tome uma posição de força cancelando o estatuto de utilidade pública desportiva, nos termos fixados no artigo 23º do RJFD.
Neste caso, a Federação Portuguesa de Futebol deixa de poder representar Portugal junto da FIFA e da UEFA, dado o estatuto de utilidade pública desportiva ser requisito fundamental para a existência de uma federação nacional desportiva. Deixa igualmente de poder regulamentar os quadros competitivos do futebol nacional, o que atingirá não só os campeonatos organizados pela própria FPF, mas também o futebol profissional a cargo da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), dado esta entidade exercer as suas funções por delegação da FPF. Não poderão ser atribuídos títulos nacionais, não poderão ser usados os símbolos nacionais pela FPF nem poderá existir exercício da acção disciplinar sobre todos os agentes desportivos sob actual jurisdição da FPF. Entre outras "sanções" previstas no RJFD.


3) Pode impedir as selecções nacionais de jogarem?

Sem dúvida. Uma das consequências do cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva por parte do Governo implica isso mesmo. Deixam as selecções nacionais actualmente sob alçada da Federação Portuguesa de Futebol de ser reconhecidas como representantes de Portugal.


4) Por outro lado, a FPF corre o risco de ser suspensa pela FIFA – o que levaria Portugal a ficar impedido de disputar jogos internacionais quer a nível de selecções, quer a nível de clubes?
A FIFA e a UEFA já informaram a FPF que estão a seguir com preocupação todo este impasse, alertando para as possíveis sanções a aplicar previstas nos Estatutos da FIFA e da UEFA.
A consequência mais preocupante actualmente é exactamente essa que leva as selecções nacionais e os clubes portugueses a ficarem impedidos de participar nas competições internacionais organizadas pela FIFA e pela UEFA, e mesmo a deixarem de poder efectuar jogos particulares com clubes e selecções de outros países.


5) Com que fundamento?

Tanto os Estatutos da FIFA como os da UEFA estabelecem que uma Associação Nacional pode perder o direito de ser membro das mesmas por deixar de ter a qualidade de associação nacional de futebol no seu país. Mas tal cenário de expulsão apenas pode ser efectivado pelo Congresso de cada uma dessas entidades, o que torna o processo lento e burocrático.
No entanto, caso se considere estar perante uma situação grave e/ou de emergência, o Comité Executivo pode suspender com efeitos imediatos a FPF até à realização do próximo Congresso (estas regras são iguais tanto para a FIFA como para a UEFA). E aqui deve ter-se em atenção que não é apenas a "simples" questão da aprovação ou não dos novos estatutos da FPF (que poderá arrastar-se no tempo) que levará à actuação firme por parte da FIFA e da UEFA. A não realização de eleições para os órgãos da FPF colocam desde já um problema de legitimidade da representação de Portugal perante aquelas entidades, mas também perante o próprio Governo Português.
Os Estatutos são a base fundamental da existência de qualquer federação desportiva. Se a FPF apresenta estatutos "fora da lei", não poderá representar Portugal no estrangeiro, nem poderá exercer qualquer tipo de poder público em Portugal.

Breve nota final:
Tão grave é esta situação, ao contrário do que andam publicamente alguns agentes desportivos a declarar, que o Ministério Público anunciou ter instaurado um processo judicial à Federação Portuguesa de Futebol para que esta seja obrigada a alterar os estatutos que não estão conforme a lei em vigor desde 1 de Janeiro de 2009.
Ou seja, a questão poderá originar um conflito aberto com a FIFA dado haver recurso a tribunais civis sobre questões que a mesma entidade, por regra, não tolera que extravasem o âmbito desportivo.
O Ministério Público tem competência legal para o fazer.
Porém a FIFA não aprecia que os seus filiados se vejam envolvidos em processos judiciais "civis" quando podem resolver os eventuais problemas dentro da esfera desportiva.

Em última instância, por mais absurdo e impraticável que possa parecer, o cancelamento do estatuto de utilidade pública desportiva da FPF abre caminho à criação de uma nova federação de futebol em Portugal que possa ser reconhecida pelo Governo, pela FIFA e pela UEFA. De recordar que pela lei portuguesa e pelos Estatutos da FIFA e da UEFA apenas pode existir uma federação/associação nacional reconhecida por país.


publicado por Pedro Miguel Branco às 22:35
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